Quando todos diziam que era impossível haver celíacos no Brasil, por ser uma doença típica em europeus, ele afirmava veementemente que havia sim, mas que ainda não tinha sido diagnosticado. Há 49 anos, o Dr. Ulysses foi o médico que diagnosticou a primeira pessoa celíaca em nosso país e desde então tem se aprofundado cada vez mais no estudo desta intolerância alimentar.
Muito simpático e atenciosos, ele escreveu um artigo para o meu livro: O Universo da Criança Celíaca e, agora, deu-me o prazer de entrevistá-lo para dirimir dúvidas sobre este problema que tem acometido cada vez mais pessoas no Brasil e no mundo.
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Professor
Titular da Disciplina de Gastroenterologia Pediátrica (GP) da Escola
Paulista de Medicina (EPM) da UNIFESP. Mestre em GP pelo IBEPEGE, Doutor
em Pediatria pela EPM da UNIFESP, Doutor em GP pela EPM da UNIFESP, Pesquisador I do CNPQ.
Doença Celíaca - a
história de uma enfermidade considerada rara até passado recente e que se
transformou em um problema de saúde pública universal
1) Uma mulher que tem vários filhos e os dois mais velhos foram
diagnosticados celíacos. Qual a probabilidade dos mais novos desenvolverem a
doença celíaca?
Sabe-se que a
suscetibilidade para a ocorrência para a Doença Celíaca (DC) está em parte
determinada por uma associação com o antígeno de histocompatibilidade (HLA - Human Leukocytes Antigen) dominante
comum classe II HLA DQ2 e DQ8. A prevalência de DC entre parentes de primeiro
grau, comprovada por biópsia de intestino delgado, varia de 5,5% a 8,3%
alcançando, entre irmãos, um valor de até 18%. Um estudo de 2006, na Itália,
envolvendo 257 familiares primeiro grau de 181 crianças com DC, revelou que prevalência
de DC entre estes parentes foi de 11%. Os resultados deste estudo propõem a
elaboração de um algoritmo acurado para a seleção de candidatos a realizar a
biopsia de intestino delgado entre os indivíduos com alto risco para DC, a
saber:
1) realização
da pesquisa de HLA DQ2 e DQ8 nos parentes. Aqueles que se revelarem positivos
devem realizar rastreamento sorológico (anticorpo antitransglutaminase)
periodicamente;
2) avaliação
sorológica por meio da determinação do anticorpo com dosagem dos níveis séricos
de IgA;
3) realização da biopsia do intestino delgado nos
casos que revelarem-se positivos no rastreamento sorológico.
2) Uma mulher que é celíaca, ao ter um filho, deve introduzir o
glúten normalmente na vida da criança a partir dos 6 meses de idade, ou não
deve dar o glúten à criança?
Deve
introduzir o glúten normalmente na vida da criança a partir dos 6 meses, e
seguir o algoritmo descrito na questão anterior, ou seja, inicialmente pesquisar
o complexo genético HLA DQ2 e DQ8.
3) Mãe não celíaca, que já tem uma filha diagnosticada celíaca.
Quando o segundo filho nasce, ela deve se abster do glúten para amamentá-lo ou
pode consumir glúten normalmente na fase de amamentação?
Pode e deve
consumir glúten na fase de amamentação. O segundo filho deve seguir o algoritmo
proposto nas questões anteriores.
4) Para a criança que está com baixo peso e baixa estatura, após
a retirada do glúten, a estatura se normaliza ou ela terá déficit de tamanho
para sempre? E em quanto tempo se estabiliza o peso?
A estatura irá
se normalizar na dependência da idade em que o diagnóstico de DC for
estabelecido, isto é, quanto mais precocemente maiores serão as probabilidades
de total recuperação do crescimento estatural, dentro do potencial genético do
indivíduo, sempre e quando a adesão à dieta isenta de glúten for totalmente
cumprida. O peso é o primeiro indicador nutricional da eficácia do tratamento
utilizando-se a dieta isenta de glúten e a estatura irá paulatinamente
apresentar o que se denomina “CATCH UP GROWTH”.
5) Fiz o exame genético e carrego o HLA DQ2 e DQ8. Porém, os
exames sorológicos e endoscopia com biópsia estão negativados. Devo fazer a
dieta sem glúten ou posso continuar consumindo o glúten normalmente até que a
doença se manifeste com os sintomas clássicos?
Não há razão
até o presente conhecido sobre o tema que justifique a utilização de dieta
isenta de glúten nesta circunstância. Como nem sempre as manifestações dos
sintomas clássicos da DC se apresentam é aconselhável a realização dos testes
sorológicos anualmente.
6) O que devo fazer quando sentir que me contaminei com glúten?
Não há nada a
ser feito, o que resta é aguardar que o efeito, caso haja algum, venha a
desaparecer, posto que cessada a causa cessará o efeito.
7) Caso haja contaminação cruzada, quanto tempo leva para o
glúten ser expelido pelo organismo? O carvão vegetal pode ajudar?
Nesta situação
o glúten será totalmente expelido entre 24 e 48 horas dependendo do ritmo do
funcionamento intestinal. Não há nenhuma evidencia cientificamente conhecida de
que o carvão vegetal possa ser de alguma valia.
8) Estou fazendo a dieta e os exames mostraram que as
vilosidades do intestino estão normais, bem como todos os demais exames.
Mediante esse quadro, eu posso voltar a ingerir glúten?
Por definição
a DC é uma enfermidade autoimune sistêmica em decorrência de uma intolerância permanente ao glúten da
dieta contida no trigo, cevada e centeio, em indivíduos geneticamente
predispostos. Caracteriza-se por uma combinação variável de sinais e sintomas
induzidos pelo glúten, pela presença se autoanticorpos específicos, atrofia
vilositária e hiperplasia críptica do intestino delgado. A predisposição
genética está relacionada com o complexo de genes HLA da classe II DQ2 + e/ou
DQ8+. Portanto, os indicadores acima referidos mostram que a adesão à dieta
isenta de glúten tem sido eficaz, e assim o paciente deverá permanecer
cumprindo rigorosamente a dieta.
9) Sou celíaca, mas não tenho dermatite herpetiforme. Neste caso
eu posso usar shampoo, cremes, maquiagens, enfim, todos produtos com glúten?
Por quê?
Sim, pode usar
produtos contendo glúten porque as manifestações são devidas a ingestão deste
alimento.
10) Beijar na boca de uma pessoa não celíaca que acabou de
ingerir glúten faz mal ao portador de doença celíaca? Por quê?
Somente se no
momento do beijo o parceiro ainda contiver resíduos alimentares contendo glúten
em sua cavidade oral e estes resíduos forem transferidos para o parceiro e
posteriormente deglutidos pelo mesmo.
11) Qual a diferença de intolerância ao glúten, alérgico ao glúten
e sensível ao glúten?
Intolerância
ao Glúten: caracteriza-se por manifestações digestivas e/ou extradigestivas com
sorologia negativa para DC e ausência de alterações morfológicas da mucosa do
intestino delgado.
Doença Celíaca
vide definição na questão 8.
Alergia ao
Glúten: Trata-se de manifestação principalmente respiratória “asma do padeiro”,
mediada por hipersensibilidade imediata do tipo IgE.
12) Para os sensíveis ao glúten, há possibilidade de surgir
atrofia vilositária?
Por definição
a sensibilidade ao glúten não celíaca não acarreta atrofia vilositária, caso a
atrofia vilositária esteja presente tudo indica que estejamos frente a um caso
de DC.
13) Quem tem somente sensibilidade ao glúten, deve abster-se dele
por toda a vida ou poderá vez ou outra consumi-lo?
Até onde o
atual conhecimento permite alcançar, posto que se trata de uma entidade
descrita muito recentemente, é provável que se deva fazer uso de dieta isenta
de glúten de forma permanente. Entretanto, como não há lesão morfológica
caracterizada, o paciente pode tentar fazer testes de provocação para confirmar
ou afastar esta sensibilidade.
Entrevistador por: Erivane de Alencar Moreno
Obs.: Para se
obter informações mais detalhadas sobre os temas aqui abordados e mesmo sobre outros
transtornos digestivos e/ou nutricionais recomendo a leitura
das seguintes fontes na internet: www.igastroped.com.br e
gastropedinutri.blogspot.com, ambos de autoria de Prof. Dr. Ulysses Fagundes
Neto.
Muito obrigada pela excelente entrevista e informação nela presente.
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